quarta-feira, 28 de maio de 2014

Análise do poema " Não sei quantas almas tenho” de Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que eu sou e vejo.
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.


Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu"?
Deus sabe, porque o escreveu
.

  •      No poema “Não sei quantas almas tenho” o poeta reflecte acerca de si próprio, tentando responder à questão “Quem sou eu?”.
  • —      Na primeira estrofe há uma alternância temporal presente/passado aliada ao advérbio de modo “continuamente”, que expressa a constante fragmentação sentida pelo sujeito poético, ontem, hoje, sempre.
  • —      O poeta passa da primeira para a terceira pessoa nos três últimos versos da primeira estrofe, quando usa a generalização “todo(s), toda(s), o(s), a(s), aquele(s), aquela(s)”.
  • —      No sexto verso denuncia a angústia que a instabilidade lhe provoca, ou seja, o poeta que é constituído apenas por alma, vive na ânsia de se encontrar; por isso, vive sem “calma”, sem repouso.
  • —      Nas duas primeiras estrofes, salienta a fragmentação do sujeito poético “Não sei quantas almas tenho. /Cada momento mudei. /Continuamente me estranho.” e “Torno-me eles e não eu.”;
  • —     O seu desconhecimento em relação a si próprio “Cada momento mudei. / Continuamente me estranho. / Nunca me vi nem achei.”;
O sentimento de despersonalização “Torno-me eles e não eu. / Cada meu sonho ou desejo/ é do que nasce e não meu.”;
 O seu papel de “espectador” de si “Sou minha própria paisagem, / assisto à minha passagem”;

• A sua constante inadaptação “Diverso, móbil e só, / não sei sentir-me onde estou.”.
Na segunda estrofe, o poeta volta a centrar-se em si próprio utilizando uma tripla adjectivação para se autocaracterizar “Diverso, móbil e só”. Aponta, uma vez mais, para a multiplicidade do sujeito poético “Diverso”, definido como um ser volúvel e inconstante “móbil” e salientando a sua solidão “”.
• A locução “Por isso” assume o carácter explicativo/conclusivo em relação às duas estrofes anteriores. O sujeito poético, tendo tomado consciência da divisão do seu “eu”, do seu auto desconhecimento, sente-se um estranho (“alheio”) em relação a si próprio.

• Olha para as “páginas” da sua vida como quem lê um livro que outrem escreveu, chegando a pôr em dúvida os seus próprios sentimentos – “o que julguei que senti”.
• O sujeito poético sinaliza versos em que se define como um ser sem passado nem futuro “o que segue não prevendo, /o que passou a esquecer.
Os dois últimos versos são um desfecho lógico para o poema sendo “alheio” à forma como a sua vida se desenrola, não passando de um “espectador” que assiste à sua “passagem”, o sujeito poético não poderia tão pouco redigir notas à margem no “livro” da sua vida. O último verso encerra a resposta à interrogação retórica do verso anterior: alguém superior ao próprio sujeito comanda a sua vida.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Ricardo Reis

  • Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, é o poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas. “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio”, “Prefiro rosas, meu amor, à pátria” ou “Segue o teu destino” são poemas que nos mostram que este discípulo de Caeiro aceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas emoções e sentimentos, mas defende, sobretudo, a busca de uma felicidade relativa alcançada pela indiferença à perturbação.

  • A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurismo triste, pois defende o prazer do momento, o “carpe diem”, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos. Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade – ataraxia.

Alberto Caeiro

Caeiro apresenta-se com uma postura oposta à de Pessoa no que diz respeito ao modo de encarar e viver a vida. Este heterónimo não vive pensando, pelo contrário, aceita e adora o mundo tal como é através do que este lhe transmite pelos sentidos. Para Caeiro o mundo não foi feito para ser compreendido e os seus pensamentos não passam de sensações o que faz dele um ser feliz. Caeiro considera ainda que cada momento é único e recusa, assim, as noções de passado e de futuro.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Álvaro Campos

Álvaro de Campos é um dos heterônimos mais conhecidos, verdadeiro alter ego do escritor português Fernando Pessoa, que fez uma biografia para cada uma das suas personalidades literárias, a que chamou heterônimos. Como alter ego de Pessoa, Álvaro de Campos sucedeu a Alexander Search, um heterônimo que surgiu ainda na África do Sul, onde Pessoa passou a infância e adolescência. 


Fernando Pessoa ortónimo - características

Fernando Pessoa ortónimo: Eu não evoluo, viajo

Características temáticas:

  • Oposição sinceridade/fingimento, sentir/pensar, consciência/inconsciência; solidão interior; angústia existencial; dor de viver e dor de pensar; tentativa de superação através de evocação da infância; refúgio no sonho; intelectualização da emoção; intuição de um destino colectivo e épico para o seu País.


Características de linguagem e estilo: 

  • Grande sensibilidade musical (aliterações, ritmo, verso geralmente curto, predomínio da quadra e da quintilha); adjectivação expressiva; pontuação emotiva; uso frequente de frases nominais; comparações, metáforas originais, antíteses; reaproveitamento de símbolos tradicionais (água, rio, mar,...); linguagem sóbria e límpida.


Alberto Caeiro: Eu não penso, sinto

Características temáticas: 

  • O “Mestre” dos outros; o poeta dos sentidos – Sensacionismo (predomínio das sensações por oposição ao pensamento; poesia do “olhar”; poesia das sensações tais como são; interpretação do mundo a partir dos sentidos); relação de harmonia com a natureza (integração e comunhão com a Natureza; atenção à “eterna novidade do mundo”; deambulismo bucólico; recusa do pensamento; aceitação do mundo, da vida, da morte; poesia do presente e imediato; panteísmo naturalista). Mas também o paradoxo: contradição entre a “teoria” e a “prática”


Características de linguagem e estilo: 

  • Verso livre, métrica e estrofes irregulares; pobreza lexical, linguagem simples; adjectivação objectiva; frases simples e predomínio do presente do indicativo (e uso do infinito ou do gerúndio); predomínio da coordenação e do polissíndeto; nomes concretos e artigos definidos. Mas também o paradoxo: comparações e metáforas; discurso argumentativo, com causais e adversativas


Ricardo Reis: Eu domino-me e abdico

Características temáticas: 

  • Paganismo (crença nos deuses e na civilização grega); fatalismo (passividade, indiferença, ausência de compromisso com o Mundo; consciência da precariedade da vida; medo da morte); Epicurismo (busca da felicidade relativa, moderação nos prazeres, fuga à dor; “carpe diem” - vive o momento); Estoicismo (aceitação das leis do destino - a passagem do tempo e a morte - , autodisciplina face às paixões e à dor; intelectualização das emoções); culto do Belo, como forma de superar a efemeridade dos bens e a miséria da vida.



Características de linguagem e estilo: 

  • Classicismo (uso da Ode, de ideias e linguagem de inspiração clássica; predomínio da subordinação; uso frequente do gerúndio, do imperativo ou do conjuntivo; metáforas, comparações, ...; estilo construído com muito rigor; discurso moralista).


Álvaro de Campos: Eu sinto tudo e canso-me

Características temáticas: 

  • Futurismo (2ª fase): exaltação da civilização industrial e da técnica; da força, da violência, do excesso; ruptura com a lírica tradicional; atitude escandalosa. Sensacionismo: vivência excessiva das sensações, “Sentir tudo de todas as maneiras”, vontade doentia de fusão com o mundo tecnológico. Abulia (3ª fase): cansaço, tédio, pessimismo, solidão; angústia existencial e dor de pensar; fragmentação do “eu”; as saudades da infância. (o “reencontro” com o F. Pessoa Ortónimo)


Características de linguagem e estilo:

  • Verso livre, por vezes, muito longo; onomatopeias, aliterações; grafismos expressivos; mistura de níveis de língua; estrangeirismos e neologismos; enumerações excessivas, exclamações, interjeições, apóstrofes, pontuação emotiva; metáforas ousadas, antíteses, personificações, hipérboles, anáforas,...; desvios às regras sintácticas.

A génese da heteronímia: A carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro

  ''Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas cousas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as cousas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar. (...)
     Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterónimo, ou, antes, o meu primeiro conhecido inexistente – um certo Chevalier de Pas dos meus seis anos, por quem escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquista aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. (...)
   Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas cousas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)''

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Fernando Pessoa - Vida e Obra


Fernando António Nogueira Pessoa foi um dos mais importantes escritores e poetas do modernismo em Portugal. Nasceu em 13 de Junho de 1888 na cidade de Lisboa (Portugal) e morreu, na mesma cidade, em 30 de Novembro de 1935. 



Biografia 

Fernando Pessoa foi morar, ainda na infância, na cidade de Durban (África do Sul), onde seu pai tornou-se cônsul. Neste país teve contato com a língua e literatura inglesa. 
Adulto, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor técnico, publicando seus primeiro poemas em inglês. 
Em 1905, retornou sozinho para Lisboa e, no ano seguinte, matriculou-se no Curso Superior de Letras. Porém, abandou o curso um ano depois. 
Pessoa passou a ter contato mais efetivo com a literatura portuguesa, principalmente Padre Antônio Vieira e Cesário Verde. Foi também influenciado pelos estudos filosóficos de Nietzsche e Schopenhauer. Recebeu também influências do simbolismo francês.
Em 1912, começou suas atividade como ensaísta e crítico literário, na revista Águia. 

A saúde do poeta português começou a apresentar complicações em 1935. Neste ano foi hospitalizado com cólica hepática, provavelmente causada pelo consumo excessivo de bebida alcoólica. Sua morte prematura, aos 47 anos, provavelmente aconteceu em função destes problemas, pois apresentou cirrose hepática.


Obras de Fernando Pessoa

  • Do Livro do Desassossego
  • Ficções do interlúdio: para além do outro oceano
  • Na Floresta do Alheamento
  • O Banqueiro Anarquista
  • O Marinheiro
  • Por ele mesmo